Organizações da Sociedade Civil possuem papel fundamental na cooperação internacional
Hugo
Fanton, da Abong
A Abong deu continuidade às suas atividades no Fórum Social Temático
2012 nesta quinta-feira (26/1) com a organização do Grupo Temático:
Desenvolvimento e Diplomacia Não Governamental – Solidariedade e
cooperação entre os povos: a sociedade civil internacional rumo à RIO+20. A
iniciativa ocorreu no âmbito da Plataforma de Diálogos rumo à Rio+20 (http://dialogos2012.org/), e teve como proposta compartilhar experiências e
fortalecer a articulação de redes e plataformas da sociedade civil
internacional nos fóruns de governança global, tendo em vista, especialmente, a
Rio+20 e a Cúpula dos Povos. Representantes de diferentes entidades e do
governo federal ressaltaram a importância da atuação das organizações da
sociedade civil (OSCs) no plano internacional, pela construção de agendas
comuns e ações articuladas na luta por justiça social e ambiental, em espaços e
processos instituintes e instituídos.
As diferentes exposições realizaram balanços históricos da incidência da
sociedade civil na governança global, além de destacar a necessidade de se
reafirmar a legitimidade de sua ação política com base nas experiências de
impacto social em nível local, regional e global. Vera Masagão, integrante da
diretoria executiva da Abong, destacou que os questionamentos relativos à
representatividade das OSCs “se resolvem pela sua articulação em plataformas,
atuação em rede e integração a movimentos maiores de cidadania”. É assim que
historicamente as OSCs incidem no campo institucionalizado de cooperação
internacional e exercem a solidariedade internacional pela troca de
experiências e ações comuns.
O papel da sociedade civil brasileira também foi reafirmado por Milton
Rondó Filho, da Coordenação-Geral de Ações Internacionais de Combate à Fome, do
Ministério das Relações Exteriores. Ele destacou a participação social na
construção e gestão de políticas públicas em diferentes áreas no Brasil, como
assistência social e segurança alimentar. Para Rondó, é fundamental que a
sociedade reivindique a existência de um conselho permanente para se debruçar sobre
questões relativas a relações exteriores. “Devemos organizar essa agenda para
que haja uma política de cooperação oficial mais democrática”.
Solidariedade entre os povos
Após apresentação inicial de Vera Masagão, os debates do GT tiveram
prosseguimento com Jorge Balbís, membro da Reality of Aid Network e da ALOP
(uma rede latino-americana de ONGs). Para ele, o 4º Fórum de Alto Nível sobre a
Efetividade da Ajuda (FAN4), que aconteceu entre 29 de novembro e 1º de
dezembro na cidade de Busan (leia aqui sobre o tema), tornou mais explícita a
existência de espaços de disputa no âmbito da governança global, tais como o
debate sobre a importância da cooperação internacional no financiamento de
ações relacionadas a mudanças climáticas. A isso está relacionada a discussão
acerca do financiamento da cooperação, e de qual papel deve ser desempenhado
pelo setor privado neste campo. “Busan também nos traz uma nova dinâmica de
cooperação, com a emergência de atores globais como Brasil, China e África do
Sul, por exemplo”.
Isto traz variantes de acordo com os posicionamentos destes países
frente às diferentes agendas. “Quais são os temas que devemos priorizar? Será
difícil estabelecê-la sem a contribuição de governos parceiros que nos ajudarão
a trabalhar nessa nova dinâmica”, afirmou Balbís. O Fórum de Busan também
ganhou centralidade na apresentação de Nicole Benedicto, do Ibon International.
Ela destacou que a sociedade civil participou ativamente dos processos
oficiais, sendo reconhecida sua legitimidade e capacidade de estabelecer
diálogos. “Está agora colocado o desafio de se fortalecer para incidir mais
fortemente nos processos globais”, enfatizou.
A partir desse contexto, Luca Portacolone, da Coordination Sud e
integrante do secretariado do FIP – Fórum Internacional de Plataformas
Nacionais de ONGs, apresentou as principais características de atuação do
Fórum, que tem por objetivo principal se constituir enquanto ator global “que
dê espaço e voz às ONGs para que atuem internacionalmente”. É também objetivo
do FIP “fortalecer as capacidades de seus membros e dar suporte a plataformas
em situação de maior vulnerabilidade, além de promover o diálogo entre atores
da sociedade civil”, destacou Portacolone.
Assim, os exercícios de diplomacia não governamental promovidos pelo FIP
são sua principal metodologia de atuação, pois “permitem trabalhar com países
que vivem realidades muito distintas e construir com eles posições comuns para
serem apresentadas em nível global”. Portacolone explica que tais exercícios foram
realizados nos últimos anos sobre diferentes temas, tais como mudança
climática, resolução de conflitos e questão agrária. “São resultados concretos
da construção, por atores variados, de posições comuns e globais” (leia mais
aqui sobre o FIP).
Também presente no GT, a presidenta da Plataforma Nacional de
Organizações da Sociedade Civil de Madagascar, Lalao Randriamanpiona,
apresentou a experiência da plataforma no exercício de diplomacia não
governamental em contexto de crise nacional. Após contextualizar a crise
política vivida por seu país – relacionada à disputa pelo controle do poder
governamental, que por sua vez está relacionada à disputa entre países do Norte
pelo controle das fontes de recursos naturais de Madagascar – Lalao destacou
que a “plataforma oferece base de apoio para os movimentos da sociedade civil
para incidir neste processo de luta por independência e soberania”.
Na explanação seguinte, o papel da sociedade civil brasileira na
cooperação internacional para o desenvolvimento ganhou centralidade, desde a
perspectiva da Oxfam Brasil. Seu representante, Simon Ticehurst, destacou que o
Brasil emerge em nível mundial como potência econômica e em termos
geopolíticos, do que decorrem elementos positivos e negativos. “É um País que
concentra riqueza, a segunda maior desigualdade social do G20. Mas tem
experiências como a política de segurança alimentar, que possui como elemento
chave a participação da sociedade civil em sua elaboração e execução”.
O problema, destacou Ticehurst, é que o Brasil exporta principalmente o
que há de negativo, pela atuação de suas empresas na África e na América
Latina. “É preciso potencializar o positivo, compartilhando experiências e
assegurando que se reconheça o papel fundamental que exerce a sociedade civil
brasileira”. Além disso, ele sugere que se faça um mapeamento dos impactos
negativos da emergência do Brasil no plano internacional, exigindo-se, por
exemplo, transparência do BNDES em suas ações. “O Brasil tem sociedade civil
vibrante, sofisticada, mas que passa por momentos difíceis de financiamento. É
preciso estabelecer um marco legal que permita o investimento público e privado
no setor”.
Tais questões também foram problematizadas por Bianca Suyama, do
Articulação SUL, a partir do conceito de cooperação Sul-Sul. “Que cooperação é
essa? Estamos replicando a relação Norte-Sul? Até que ponto respeitamos a
soberania dos países?”, questionou, a partir dos exemplos da atuação
internacional brasileira. Bianca destacou que não há informações suficientes sobre
a atuação internacional de instituições como o BNDES. No entanto, a Cúpula dos
Povos poderá ser uma oportunidade para a sociedade civil ouvir novas vozes
acerca da cooperação internacional e construir pontos de questionamento e
diálogo entre os povos, fortalecendo suas ações em resistência ao modelo atual
de desenvolvimento econômico.
Por sua vez, Júlia Castro, do PAD - Processo de Articulação e Diálogo,
entende que está em disputa o próprio significado de cooperação internacional e
sua importância. Há uma combinação complexa entre o crescimento dos índices
econômicos no Brasil e o reconhecimento pelas agências da importância da
sociedade civil brasileira. “Disto decorrem mudanças na cooperação, como a do
perfil de parceiros e a centralização temática nas áreas de atuação”.
Perspectiva do Governo Federal
A Secretaria-Geral da Presidência da República esteve presente no debate
para apresentar suas considerações sobre o potencial de participação da sociedade
civil brasileira na política de cooperação internacional. Selvino Heck se
apoiou nas experiências nacionais de participação para ressaltar a importância
da organização da sociedade para incidência política. “Participação social tem
que ser método de governo, em todas as áreas de atuação”, afirmou.
Para Heck, o caráter sócio-desenvolvimentista do governo traz avanços e
contradições, tais como os impactos sociais gerados pelas grandes obras e
mega-eventos. “Estamos preocupados e precisamos debater essas questões. Também
estamos trabalhando para construir um novo marco regulatório para as OSCs. A
sociedade civil é nossa parceira, e deve sempre forçar o governo para que haja
o diálogo”.