Violência é sintoma de esgotamento das relações sociais

Por Ana Carolina Farias Franco - psicóloga na SDDH

SOBRE A VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS

Chega a nosso conhecimento, cotidianamente, por meio dos relatos de pessoas atendidas por esta entidade de direitos humanos, descrição de situações de violência entre alunos de escolas consideradas por estes como “rivais”, de violência de alunos contra professores, da presença de traficantes de drogas no interior do espaço escolar, mas também de posturas autoritárias dos funcionários da escola aos seus alunos, o incentivo da competição entre alunos e entre as escolas pela direção da própria escola, os quais desmontam tanto a imagem idealizada da instituição escolar como espaço de harmonia social, como apontam para a existência de acontecimentos que vão de encontro à construção de uma cultura de direitos humanos em nossa sociedade.

Se de fato as tensões sociais são comuns em qualquer espaço social, a violência não deve ser pensada como natural, antes deve ser entendida como sintoma de esgotamento das relações sociais nestes espaços. Parece-nos que restringir a análise da violência a fatores individuais ou da dinâmica familiar, como defendem alguns teóricos, que atribuem a violência entre alunos ou produzidos por estes a outras pessoas da comunidade escolar, à rebeldia e transgressão juvenil, entendidas como características supostamente naturais destas parcelas juvenis, pode contribuir para despolitização deste acontecimento, que é, sobretudo, um fenômeno social e político.

Entendemos que devemos tomar a violência na escola como um elemento de análise política de um processo social mais amplo, que possa mostrar os lugares produzidos às juventudes (em especial, as pobres) no Brasil, uma vez que são estas parcelas as vítimas em potencial da violência no país.

Pesquisas realizadas, anualmente, pelo Ministério da Justiça, em parceria com instituições não-governamentais, têm divulgado que a população da faixa etária de 15 a 24 anos continua a concentrar as maiores taxas de homicídio no país. A pesquisa “O Mapa da Violência 2013, mortes matadas por armas de fogo”, indicou que no ano de 2010, as taxas de óbitos por armas de fogo (para cada 100 mil habitantes) entre a população jovem foi superior a taxa de óbitos da população não jovem, respectivamente, 42,5 e 10, 7 (1). Tal pesquisa ao operar um recorte de raça e classe, indica que são os jovens negros e pobres as maiores vítimas da violência homicida. Fato intrigante é que, apesar dessas constatações, ganha força um discurso conservador que inverte a análise e que atribui a essas parcelas a responsabilidade pela violência. Os movimentos de direitos humanos no Brasil têm travado lutas importantes, nos últimos anos, em contraposição a uma série de medidas que criminalizam a juventude pobre por ser pobre.


A filósofa Hanna Arendt (2001), em sua análise sobre a violência, faz inflexões importantes, que podem contribuir com a análise política desses acontecimentos (2). Em contraposição a diversas teorias da filosofia política, a autora defende que violência e poder devem ser pensados como pólos opostos. A ciência política costuma, por exemplo, atribuir ao Estado o caráter legítimo de monopólio da violência, definindo assim a violência como um instrumento do poder político. Arendt, em direção oposta, discorre que é onde não há poder que se criam as condições para a violência. É interessante atentarmos, nessa teoria, ao que a filósofa chama de poder, uma vez que esta remete a participação política no espaço público. O poder se concretiza quando há uma esfera pública em que o acordo e consentimento surjam, em que todos podem participar com igualdade e que a interação entre indivíduos iguais se dê por meio da livre troca de opiniões plurais e da ação. Em um espaço não-democrático, o poder não tem legitimidade e o recurso da violência é mais facilmente usado para impor a obediência.

Essas reflexões conceituais nos ajudam a pensar a violência escolar deve ser um analisador político das formas como se exerce o poder político nestas instituições e do espaço que oferecemos a estes jovens nestas instâncias. Passamos, assim, a entender que a violência não é somente uma prática que vem do exterior da escola, mas também produzida por ela, que nos indica uma forma de gerir as relações sociais neste espaço, conforme analisam Pontes, Cruz e Melo:

As violências manifestadas no espaço escolar evidenciam a deterioração das relações sociais estabelecidas nas escolas, entendendo que a qualidade dessas relações implica interações pautadas em níveis de respeito, liberdade, democracia, igualdade e fraternidade. Tais valores ético-políticos, quando negligenciados, tendem a propiciar contextos que têm a ver com a ocorrência de violências nas relações escolares (3).

A redução da violência na sociedade e, por conseguinte, na escola, passa necessariamente pelo fortalecimento dos espaços públicos efetivamente democráticos e produtores de cidadania. Enquanto as práticas não-democráticas, ainda comum na cultura política brasileira, reverberarem nas instituições sociais e enquanto a condição de subcidadania for realidade para inúmeros brasileiros, a possibilidade de reversão desta realidade continuará restrita. E é por isso, que entendemos também que o aumento do aparato de segurança militar nas portas das escolas, ainda que importantes neste momento, podem até constituírem-se como medidas que inibem a entrada de armas (brancas ou de fogo) nas escolas, ou ainda a inserção de gangues e tráfico de drogas no interior das mesmas, mas que ao se manterem como medidas exclusivas de políticas de combate a violência escolar, apenas silenciarão as tensões sociais, que em situações extremas manifestam-se em forma de violência.

1 WALSEIFIZ, J. Mapa da Violência 2013: mortes matadas por armas de fogos. CENBELA, 2013, disponível em: www.mapadaviolencia.org.br.

2ARENDT, H. Sobre a Violência. 3° ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.


3 PONTES, R.; CRUZ, C. MELO, J., Violência nas escolas públicas de Belém: diagnóstico do clima escolar. In: Educação inclusiva e violência nas escolas. PONTES, R & CRUZ, C. (orgs.). Belém: UNAMA, 2010 Idem, p.56.

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