Artigo de Rosaly Brito: Resistir, mais que nunca, é preciso
*Rosaly Seixas Brito
Uma das maiores tiranias praticadas nesse início do século XXI, que começou sob a égide do pensamento neoliberal, é o que o ensaísta Adauto Novaes chama de uma “laboriosa construção do esquecimento da política”, em que o espaço das revoluções políticas aparentemente foi sendo abandonado para ceder lugar às revoluções técnicas e mentais, presididas pela lógica do fugaz, do veloz e do volátil, aprisionando-nos em presentes perpétuos. A política, que desde os gregos era obra comum dos que habitavam a cidade, em prol do bem coletivo, princípio e base da vida em sociedade, aos poucos foi sendo deliberadamente “esquecida” na época contemporânea, de elogio ao individualismo.
Os aparatos globais da mídia e da indústria cultural investem maciçamente para que o homem comum se transforme em mero espectador da cena política, e não sujeito dela. A política cada vez mais é mostrada como “coisa dos outros” e confundida com “os políticos” – os sórdidos, os corruptos, todos postos em um mesmo balaio. A desqualificação, a meu ver, é proposital, não que não existam bons motivos para desacreditar da maioria dos políticos. Quanto mais maculada a imagem da política – tomada pelos “políticos” – mais distância se quer dela.
Nesse cenário, a longevidade de um jornal como o Resistência, surgido há três décadas e meia para desempenhar um papel importantíssimo em plena ditadura militar – tão importante quanto a atuação da entidade que o criou, a SDDH, fundada em 1977 – é um respiro que merece ser celebrado e nos ajuda a acreditar que a utopia e o projeto de uma outra sociedade continuam a pulsar e a nos mover, a despeito de todas as forças contrárias.
O agora aparentemente distante ano de 1977, ainda parece tão próximo para todos nós que nos lançamos de corpo e alma na luta contra a opressão perpetrada pela ditadura do pós-64 e todas as demais que varriam o continente então, no auge da Guerra Fria.
Nove anos após a decretação do AI-5, em 1968, a imprensa brasileira vivia amordaçada e todas as liberdades democráticas foram suprimidas. Pouco mais de dois anos antes do surgimento do Resistência (que nasceu em fevereiro de 1978, no ano seguinte ao da criação da SDDH), o jornalista Vladimir Herzog fora assassinado nas dependências do DOI-CODI, em São Paulo, em um dos episódios-símbolo dos horrores do regime militar brasileiro. Em agosto daquele mesmo ano de 1975, o general-presidente Ernesto Geisel, como que prenunciando o ato extremo consumado meses depois com a morte de Vlado, afirmara que "os órgãos de segurança acompanham atentamente a infiltração comunista em órgãos de comunicação".
Foi nesse contexto de completo obscurantismo que o Resistência se ergueu como uma corajosa voz a denunciar a barbárie instituída pela ditadura, em especial o modelo desenvolvimentista imposto à Amazônia, orquestrado pelos interesses do grande capital multinacional. Implantação dos grandes projetos, massacre de índios e posseiros, das lideranças políticas comprometidas com as causas populares (como o assassinato do ex-presidente da SDDH, Paulo Fonteles), destruição dos ecossistemas, tudo para satisfazer à ganância do grande capital.
Não fosse o jornal Resistência e mais cerca de 150 periódicos da imprensa alternativa – entre eles o Nanico, também publicado em Belém, de vida curta, porém fecunda – que existiram no país entre 1964 e os anos 1980 – certamente a história desse período de triste memória teria sido outra, mais bárbara ainda do que foi. O jornal e seus congêneres foram peças-chave para a derrubada da ditadura. E hoje, quando vivemos sob outra forma de ditadura – a do mercado, da eficácia técnica, do saber instrumental do marketing e da tentativa de fazer valer um pensamento único – é preciso, mais que nunca, resistir.
Que a memorável história do jornal Resistência seja inspiradora para a atuação do jornal nos anos que virão, pois causas sociais de todas as ordens, urgentes como as do tempo da ditadura, estão aí a clamar por vozes que lhes representem.
Referência:
NOVAES, Adauto (org.). O esquecimento da política. Rio de Janeiro: Agir, 2007.
*Rosaly Seixas Brito é jornalista e professora da Faculdade de Comunicação da UFPA. Nos anos 1980, integrou o Núcleo de Imprensa da SDDH e participou, como colaboradora, da redação do jornal Resistência.
Artigo originalmente publicado no jornal Resistência de agosto de 2013
II Encontro do jornal Resistência, da SDDH, em agosto de 1982. Rosaly Seixas Brito em pé. Foto: Arquivo/SDDH
Uma das maiores tiranias praticadas nesse início do século XXI, que começou sob a égide do pensamento neoliberal, é o que o ensaísta Adauto Novaes chama de uma “laboriosa construção do esquecimento da política”, em que o espaço das revoluções políticas aparentemente foi sendo abandonado para ceder lugar às revoluções técnicas e mentais, presididas pela lógica do fugaz, do veloz e do volátil, aprisionando-nos em presentes perpétuos. A política, que desde os gregos era obra comum dos que habitavam a cidade, em prol do bem coletivo, princípio e base da vida em sociedade, aos poucos foi sendo deliberadamente “esquecida” na época contemporânea, de elogio ao individualismo.
Os aparatos globais da mídia e da indústria cultural investem maciçamente para que o homem comum se transforme em mero espectador da cena política, e não sujeito dela. A política cada vez mais é mostrada como “coisa dos outros” e confundida com “os políticos” – os sórdidos, os corruptos, todos postos em um mesmo balaio. A desqualificação, a meu ver, é proposital, não que não existam bons motivos para desacreditar da maioria dos políticos. Quanto mais maculada a imagem da política – tomada pelos “políticos” – mais distância se quer dela.
"A longevidade de um jornal como o Resistência é um respiro que merece ser celebrado e nos ajuda a acreditar que a utopia e o projeto de uma outra sociedade continuam a pulsar e a nos mover"
Nesse cenário, a longevidade de um jornal como o Resistência, surgido há três décadas e meia para desempenhar um papel importantíssimo em plena ditadura militar – tão importante quanto a atuação da entidade que o criou, a SDDH, fundada em 1977 – é um respiro que merece ser celebrado e nos ajuda a acreditar que a utopia e o projeto de uma outra sociedade continuam a pulsar e a nos mover, a despeito de todas as forças contrárias.
O agora aparentemente distante ano de 1977, ainda parece tão próximo para todos nós que nos lançamos de corpo e alma na luta contra a opressão perpetrada pela ditadura do pós-64 e todas as demais que varriam o continente então, no auge da Guerra Fria.
Nove anos após a decretação do AI-5, em 1968, a imprensa brasileira vivia amordaçada e todas as liberdades democráticas foram suprimidas. Pouco mais de dois anos antes do surgimento do Resistência (que nasceu em fevereiro de 1978, no ano seguinte ao da criação da SDDH), o jornalista Vladimir Herzog fora assassinado nas dependências do DOI-CODI, em São Paulo, em um dos episódios-símbolo dos horrores do regime militar brasileiro. Em agosto daquele mesmo ano de 1975, o general-presidente Ernesto Geisel, como que prenunciando o ato extremo consumado meses depois com a morte de Vlado, afirmara que "os órgãos de segurança acompanham atentamente a infiltração comunista em órgãos de comunicação".
Foi nesse contexto de completo obscurantismo que o Resistência se ergueu como uma corajosa voz a denunciar a barbárie instituída pela ditadura, em especial o modelo desenvolvimentista imposto à Amazônia, orquestrado pelos interesses do grande capital multinacional. Implantação dos grandes projetos, massacre de índios e posseiros, das lideranças políticas comprometidas com as causas populares (como o assassinato do ex-presidente da SDDH, Paulo Fonteles), destruição dos ecossistemas, tudo para satisfazer à ganância do grande capital.
Não fosse o jornal Resistência e mais cerca de 150 periódicos da imprensa alternativa – entre eles o Nanico, também publicado em Belém, de vida curta, porém fecunda – que existiram no país entre 1964 e os anos 1980 – certamente a história desse período de triste memória teria sido outra, mais bárbara ainda do que foi. O jornal e seus congêneres foram peças-chave para a derrubada da ditadura. E hoje, quando vivemos sob outra forma de ditadura – a do mercado, da eficácia técnica, do saber instrumental do marketing e da tentativa de fazer valer um pensamento único – é preciso, mais que nunca, resistir.
Que a memorável história do jornal Resistência seja inspiradora para a atuação do jornal nos anos que virão, pois causas sociais de todas as ordens, urgentes como as do tempo da ditadura, estão aí a clamar por vozes que lhes representem.
Referência:
NOVAES, Adauto (org.). O esquecimento da política. Rio de Janeiro: Agir, 2007.
*Rosaly Seixas Brito é jornalista e professora da Faculdade de Comunicação da UFPA. Nos anos 1980, integrou o Núcleo de Imprensa da SDDH e participou, como colaboradora, da redação do jornal Resistência.
Artigo originalmente publicado no jornal Resistência de agosto de 2013