Artigo de Rosaly Brito: Resistir, mais que nunca, é preciso

*Rosaly Seixas Brito

II Encontro do jornal Resistência, da SDDH, em agosto de 1982. Rosaly Seixas Brito em pé. Foto: Arquivo/SDDH

Uma das maiores tiranias praticadas nesse início do século XXI, que começou sob a égide do pensamento neoliberal, é o que o ensaísta Adauto Novaes chama de uma “laboriosa construção do esquecimento da política”, em que o espaço das revoluções políticas aparentemente foi sendo abandonado para ceder lugar às revoluções técnicas e mentais, presididas pela lógica do fugaz, do veloz e do volátil, aprisionando-nos em presentes perpétuos. A política, que desde os gregos era obra comum dos que habitavam a cidade, em prol do bem coletivo, princípio e base da vida em sociedade, aos poucos foi sendo deliberadamente “esquecida” na época contemporânea, de elogio ao individualismo.

Os aparatos globais da mídia e da indústria cultural investem maciçamente para que o homem comum se transforme em mero espectador da cena política, e não sujeito dela. A política cada vez mais é mostrada como “coisa dos outros” e confundida com “os políticos” – os sórdidos, os corruptos, todos postos em um mesmo balaio. A desqualificação, a meu ver, é proposital, não que não existam bons motivos para desacreditar da maioria dos políticos. Quanto mais maculada a imagem da política – tomada pelos “políticos” – mais distância se quer dela.

"A longevidade de um jornal como o Resistência é um respiro que merece ser celebrado e nos ajuda a acreditar que a utopia e o projeto de uma outra sociedade continuam a pulsar e a nos mover"

Nesse cenário, a longevidade de um jornal como o Resistência, surgido há três décadas e meia para desempenhar um papel importantíssimo em plena ditadura militar – tão importante quanto a atuação da entidade que o criou, a SDDH, fundada em 1977 – é um respiro que merece ser celebrado e nos ajuda a acreditar que a utopia e o projeto de uma outra sociedade continuam a pulsar e a nos mover, a despeito de todas as forças contrárias.

O agora aparentemente distante ano de 1977, ainda parece tão próximo para todos nós que nos lançamos de corpo e alma na luta contra a opressão perpetrada pela ditadura do pós-64 e todas as demais que varriam o continente então, no auge da Guerra Fria.

Nove anos após a decretação do AI-5, em 1968, a imprensa brasileira vivia amordaçada e todas as liberdades democráticas foram suprimidas. Pouco mais de dois anos antes do surgimento do Resistência (que nasceu em fevereiro de 1978, no ano seguinte ao da criação da SDDH), o jornalista Vladimir Herzog fora assassinado nas dependências do DOI-CODI, em São Paulo, em um dos episódios-símbolo dos horrores do regime militar brasileiro. Em agosto daquele mesmo ano de 1975, o general-presidente Ernesto Geisel, como que prenunciando o ato extremo consumado meses depois com a morte de Vlado, afirmara que "os órgãos de segurança acompanham atentamente a infiltração comunista em órgãos de comunicação".
Foi nesse contexto de completo obscurantismo que o Resistência se ergueu como uma corajosa voz a denunciar a barbárie instituída pela ditadura, em especial o modelo desenvolvimentista imposto à Amazônia, orquestrado pelos interesses do grande capital multinacional. Implantação dos grandes projetos, massacre de índios e posseiros, das lideranças políticas comprometidas com as causas populares (como o assassinato do ex-presidente da SDDH, Paulo Fonteles), destruição dos ecossistemas, tudo para satisfazer à ganância do grande capital.

Não fosse o jornal Resistência e mais cerca de 150 periódicos da imprensa alternativa – entre eles o Nanico, também publicado em Belém, de vida curta, porém fecunda – que existiram no país entre 1964 e os anos 1980 – certamente a história desse período de triste memória teria sido outra, mais bárbara ainda do que foi. O jornal e seus congêneres foram peças-chave para a derrubada da ditadura. E hoje, quando vivemos sob outra forma de ditadura – a do mercado, da eficácia técnica, do saber instrumental do marketing e da tentativa de fazer valer um pensamento único – é preciso, mais que nunca, resistir.
Que a memorável história do jornal Resistência seja inspiradora para a atuação do jornal nos anos que virão, pois causas sociais de todas as ordens, urgentes como as do tempo da ditadura, estão aí a clamar por vozes que lhes representem.

Referência:
NOVAES, Adauto (org.). O esquecimento da política. Rio de Janeiro: Agir, 2007.

*Rosaly Seixas Brito é jornalista e professora da Faculdade de Comunicação da UFPA. Nos anos 1980, integrou o Núcleo de Imprensa da SDDH e participou, como colaboradora, da redação do jornal Resistência.
Artigo originalmente publicado no jornal Resistência de agosto de 2013

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