Encontrada 115a criança raptada durante ditadura argentina

Organizações dos movimentos sociais da Argentina contabilizam mais de 300 bebês e crianças sequestradas durante as ditaduras que abateram o país. Foram seis no total, sendo a última delas conhecida como uma das mais sangrentas. O processo a que vem passando a Argentina há algumas décadas tem sido tratado sob o slogan Justiça e Punição (Juicio y Castigo) chega também a este lado igualmente perverso do terrorismo de Estado, enquanto entidades como Avós da Praça de Maio marcham rumo ao resgate de seus familiares.

O caso mais recente foi conhecido nesta sexta-feira (22), quando as "Avós" confirmaram a identidade da 115a criança raptada após seu nascimento durante o cativeiro de seus pais. Naturalmente, Ana já não é mais um bebê.

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Buenos Aires, 22 de agosto de 2014 |
Encontrada a neta da primeira presidenta das “Avós”

As Avós da Praza de Maio têm imensa felicidade em anunciar que encontramos a neta 115, filha de Héctor Carlos Baratti e de Elena De la Cuadra. Trata-se, ainda, da neta de Alicia "Licha" Zubasnabar De la Cuadra, uma das fundadoras da associação, mas que lamentavelmente faleceu em junho de 2008 sem abraçar sua neta.

Elena estava grávida de cinco meses no momento do seqüestro. Com o testemunho de sobreviventes, foi possível saber que, no dia 16 de junho de 1977, deu à luz durante seu cativeiro na 5ª Delegacia de La Plata a uma menina, a quem chamou de Ana Libertad, que hoje recupera sua identidade.

A família

Elena nasceu em 15 de junho de 1954 na localidade de Sauce, estado de Corrientes. Sua família lhe chamava "Lena". Héctor nasceu em Ensenada, estado de Buenos Aires, dia 27 de março de 1949. Seus amigos lhe chamavam de "Flaco Bara".

Elena e Héctor militavam no Partido Comunista Marxista Leninista (PCML) e foram sequestrados pela Polícia de Buenos Aires dia 23 de fevereiro de 1977 em La Plata. Ambos estiveram detidos na 5a Delegacia, onde nasceu Ana Libertad. Héctor também foi visto na 8ª Delegacia de La Plata e Elena possivelmente permaneceu no centro clandestino de detenção "Pozo de Quilmes".

Elena continua desaparecida. Héctor foi assassinado e seus restos foram identificados pela Equipe Argentina de Antropologia Forense.

As famílias De la Cuadra e Baratti buscaram sempre a seus seres queridos. A avó "Licha", inclusive, já havia sofrido o desaparecimento de seu filho Roberto José.

Foi na casa de Licha onde se produziram as primeiras reuniões do que mais tarde se conheceria como Avós da Praça de Maio. No início, foram doze mulheres, mas em pouco tempo éramos muitas mais. Licha foi a primeira presidenta e buscou sua neta desaparecida até o dia de sua própria morte.

O caso

Em 2010, as “Avós” e a Comissão Nacional pelo Direito à Identidade (Conadi) receberam uma denúncia com informação sobre uma jovem que poderia ser filha de desaparecidos. Após uma investigação documental, o caso foi encaminhado pela Conadi dia 26 de fevereiro de 2013 à Unidade Especializada em Casos de Apropriação de Crianças durante o Terrorismo de Estado, da Procuradoria Geral da Nação.
A unidade, criada em 2012 como parte das “Avós”, realizou uma investigação preliminar que, em agosto de 2013, foi enviada à justiça federal, solicitando a extração de sangue. Ao tomar conhecimento da existência de uma causa judicial, a jovem chamou as “Avós” para realizar voluntariamente a análise genética.
Como se encontrava no exterior, a extração se produziu dia 25 de abril deste ano por meio do Consulado do país em que reside. A mostra chegou dia 8 de maio à Argentina e foi recebida pela Direção de Direitos Humanos da Chancelaria, de onde foi encaminhada para o Banco Nacional de Dados Genéticos (BNDG) para efetivar o estudo.

Ontem (21), o banco informou à justiça que a jovem é filha de Héctor Baratti e Elena De la Cuadra. Dados da causa e do julgamento são preservados para evitar que sejam divulgadas informações capazes de causar danos à privacidade da vítima de apropriação.

Destacamos que este é o primeiro caso investigado pela unidade especializada em apropriação que finaliza com a restituição da identidade de uma de nossas netas. Além do mais, evidencia a coordenação de distintos organismos do Estado que trabalharam de forma integrada para a resolução deste delito de lesa humanidade.

É imensa a felicidade que temos em comunicar a restituição de outra neta há tão poucos dias da última. Agradecemos a todos aqueles que se fazem eco desta notícia e reiteramos a importância que tem para o processo de restituição o trabalho responsável dos meios de comunicação, respeitando a intimidade das vítimas e de dados tão delicados para que as investigações judiciais cheguem a bom porto.

Elena y Héctor chamaram a sua filha de Ana Libertad. Hoje ela alcançou este bem tão precioso que seus pais lhe desejaram com seu nome: bem-vinda, Ana, à sua liberdade.

Livre tradução: Erika Morhy / SDDH


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