Matéria da Anistia Internacional destaca crise no Sistema de Segurança Pública no Brasil
Anistia Internacional lançou, na última quarta-feira (25), Relatório que destaca crise na segurança pública no Brasil. Veja matéria completa abaixo:
Anistia Internacional destaca crise da segurança pública no Brasil
Polícia prende manifestante em Porto Alegre, Brasil, junho 2014 | © MARKO DJURICA/Reuters/Corbis
O
ano de 2014 foi marcado pelo agravamento da crise da segurança pública
no Brasil. Esta é a principal questão levantada no capítulo brasileiro
do Relatório 2014/15– O Estado dos Direitos Humanos no Mundo,
lançado na quarta-feira (25) pela Anistia Internacional em todo o
mundo. A curva ascendente dos homicídios no país; a alta letalidade nas
operações policiais, em especial nas realizadas em favelas e territórios
de periferia; o uso excessivo da força no policiamento dos protestos
que antecederam a Copa do Mundo; as rebeliões com mortes violentas em
presídios superlotados, e casos de tortura mostram que a segurança
pública no país precisa de atenção especial por parte das autoridades
brasileiras.
“O Brasil é um dos países onde mais se mata no mundo”, destaca Atila
Roque, diretor executivo da Anistia Internacional no Brasil. “Cultivamos
a ideia de um país pacífico, mas convivemos com números de homicídios
que superam, inclusive, situações onde existem conflitos armados e
guerras. É inadmissível que haja cerca de 56 mil vítimas de homicídios
por ano, a maior parte composta de jovens, e este não seja o principal
tema de debate na agenda pública nacional”, conclui.
O capítulo brasileiro no relatório traz uma retrospectiva sobre os
principais acontecimentos de 2014 e alguns destaques de 2013, a começar
pelos protestos que antecederam a Copa do Mundo. Milhares de
manifestantes saíram às ruas e muitos deles foram cercados e detidos
arbitrariamente. Jornalistas também foram agredidos. Os episódios
demonstraram que as polícias não estão preparadas para assegurar
direitos fundamentais da democracia: a liberdade de expressão e de
manifestação pacífica.
A militarização da segurança pública – com uso excessivo da força e a
lógica do confronto com o inimigo, em especial nos territórios
periféricos e favelas – tem contribuído para a manutenção do alto índice
de violência letal no país. O relatório final da Comissão Nacional da
Verdade tem importante papel em estabelecer como o legado da ditadura
impacta na violência policial de hoje e em propor reformas para
assegurar uma segurança pública baseada na defesa dos direitos humanos.
“Enquanto prevalecer o discurso de violência e uma espécie de Estado
de exceção, que corrobore a percepção de que a vida de uns vale mais do
que a de outros, viveremos a barbárie. ‘Bandido bom é bandido morto’ é
uma filosofia em que todos saem perdendo. Perde o Estado que coloca a
vida de seus agentes de segurança em risco e abre mão de enfrentar o
crime com inteligência; e perde a sociedade, brutalizada e acuada pelo
medo da violência”, analisa Atila Roque.
A falta de priorização do tema da segurança pública no país tem
vitimado tanto agentes de segurança quanto a população – destacando-se
uma parcela jovem, negra, pobre e radicada nas periferias. Casos como o
do pedreiro Amarildo de Souza, torturado até a morte pela polícia do Rio
de Janeiro e a chacina que deixou 10 pessoas mortas em Belém do Pará
foram alguns exemplos desta realidade.
Recomendações
Diante do cenário apresentado pelo relatório anual, a Anistia Internacional pede que:
- Seja elaborado um plano nacional de metas para a redução imediata
dos homicídios, em articulação entre o governo federal e governos
estaduais;
- A desmilitarização e a reforma da polícia, estabelecendo mecanismos
efetivos de controle externo da atividade policial, promovendo a
valorização dos agentes, aprimorando sua formação e condições de
trabalho, assim como as técnicas de inteligência para investigação.
- A implementação plena de um programa de defensores de direitos
humanos, que proteja lideranças nos campos e nas cidades e promova ampla
discussão sobre a origem das violações que os afetam;
A Anistia Internacional trabalha com o tema da segurança pública no
Brasil há muitos anos, em parceria com atores da sociedade civil e de
instâncias do governo. Um exemplo foi o lançamento da campanha Jovem
Negro Vivo em novembro de 2014, que tem como objetivo desnaturalizar os
números da violência no Brasil e promover a reflexão sobre o que pode
ser feito para muda-los.
Veja mais sobre os temas abordados no capítulo brasileiro:
• Violações de direitos em situações de protestos: respostas do
governo e das polícias para as manifestações pré-Copa do Mundo, com uso
excessivo da força e prisões arbitrárias, agressões a jornalistas e a
condenação de Rafael Braga Vieira, único jovem preso e condenado a cinco
anos de prisão por portar material de limpeza.
• Condições Prisionais: Envolvimento da Comissão Interamericana de
Direitos Humanos para intervenção nas condições prisionais do país, com
destaque para a rebelião no Presídio de Pedrinhas (MA). Condenação de 75
policiais pela morte de 111 presos durante a rebelião na penitenciária
do Carandiru em 1992.
• Tortura e Outros Maus-Tratos: Denúncias de tortura quando em
custódia da polícia e o caso do trabalhador de construção civil Amarildo
de Souza. Destaque para a instituição do Sistema Nacional de Prevenção e
Combate à Tortura.
• Impunidade: O trabalho da Comissão Nacional da Verdade e seu relatório final.
• Defensores de Direitos Humanos: dificuldades enfrentadas pelo
Programa Nacional de Defensores de Direitos Humanos e os casos
acompanhados pela Anistia Internacional.
• Disputa por Terras – Direitos de Povos Indígenas: Conflitos que
envolvem populações tradicionais, como a comunidade indígena
Guarani-Kaiowá de Apika’y, no Mato Grosso do Sul e comunidades
quilombolas no Maranhão, assim como os perigos de retrocesso nas
legislações que envolvem a demarcação de terras.
• Direitos de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexuais:
Avanços na legislação, apesar das manifestações homofóbicas de
lideranças políticas e religiosas e a violência contra a população LGBT.
• Direitos Sexuais e Reprodutivos: A pressão de grupos religiosos
pela criminalização do aborto e os casos de duas mulheres que morreram
ao fazer abortos em clínicas clandestinas.
• Comércio de Armas: Embora o Brasil tenha assinado o Tratado
Internacional de Armas, o documento ainda ainda não foi ratificada pelo
congresso.
Outros países
A versão internacional do Relatório 2014/15 – O Estado dos Direitos Humanos no Mundo
apresenta um resumo sobre a situação dos direitos humanos em 160
países. O principal destaque é a espiral de violência criada pelos
conflitos entre grupos armados não-estatais, como o Estado Islâmico e o
Boko Haram, e respostas brutais dos governos. Este cenário desencadeou
grandes crises humanitárias, que estão na origem de escândalos sobre
tortura, o crescimento do extremismo religioso, as migrações e o aumento
do número de refugiados.
Fonte: Anistia Internacional