Geni, o Golpe e um novo possível amanhã

Mesmo nos tempos mais difíceis, nos momentos de dor e lágrimas, a música e a poesia enchiam os corações de amigos que tombaram na luta. Foi assim em cada velório, perseguição ou prisão ao longo destes 39 anos de caminhada da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos - SDDH. Hoje mais uma vez, para nos posicionarmos neste momento trágico da história brasileira, nos valemos de trovas e canções, de imagens e de uma imaginação quase que utópica, mas que sempre nos fez pisar no chão da realidade.

É Chico Buarque que nos traz a história de “Geni e o Zepellin”. Ele mostra como hipócritas podem ser os homens quando querem. Seja por desejarem agir assim, seja pela sua própria natureza.
Não que o Governo da Presidenta Dilma e o anterior, de Lula, sejam corretos em boa parte de suas políticas. Nossos índios, ribeirinhos, pescadores do Xingu, em Altamira, e do Tapajós estão aí a mostrar o quão contraditórios podem ser nossos políticos, e o quão violadores podem ser os empreendimentos que fazem em nome de um amaldiçoado progresso.

É um governo feito de acertos (vários, por sinal, como o Bolsa Família e a universalização do ensino) e de outros tantos erros (que estouram nas costas de nosso povo empobrecido que confiou neles). Mas o fato é que a história contada por Chico, do banqueiro, do bispo, do político de olhos vermelhos, com um milhão no bolso e uma pedra na mão se repetem a cores e transmissão instantânea nas telas de nosso País.

Miram no governo já usado e surrado por eles, mas como já não tem serventia, o desacreditam jogando pedras, bostas e xingamentos. Na verdade, o que anteveem é a possibilidade de novos lucros, novas empreitadas, novos dividendos com mandatários mais chegados. Mais compadres.

É evidente que a SDDH não vê legitimidade na quadrilha que se formou no Parlamento brasileiro, para cassar uma pessoa que teve mais de 52 milhões de votos. Só o fato de quase metade dos deputados responderem a processo criminal de algum tipo já autorizaria o acovardado STF a parar esse processo.

Nunca foi de fato um “julgamento”. Esse processo nunca foi, não é e nunca vai ser jurídico. Pois se assim o fosse, seria necessário primeiro um procedimento judicial, com a imposição de penalidade somente após o trânsito em julgado de uma sentença. Aí sim poderia se falar em crime responsabilidade. Até mesmo a OAB pisoteou a Constituição (conscientemente, a nosso ver) quanto ao princípio da presunção da inocência.

O que estamos assistindo é a imposição de uma ilegítima vontade política, de um congresso dominado por bandidos, banqueiros, latifundiários, empresários, evangélicos radicais, enfim a nata escolhida a dedo pelo grande poder econômico.

Enquanto o PT e seu governo atenderam parte dos anseios destes setores, eles foram tolerados. Foram tão úteis quanto Geni diante do Zepellin. Agora já não é. Existem opções mais interessantes a estes setores que sempre comandaram o poder no Brasil há alguns anos, digamos, mais ou mesmo 516 anos para sermos exatos. Com uma roupagem diferente aqui e outra acolá, mas na substância, sempre a mesma laia, a mesma estirpe, as mesmas ambições, os mesmos métodos.

Nem mesmo é novidade essa onda de conservadorismo, de ódio, de abusos que se vê contra movimentos sociais, contra ativistas de partidos de esquerda ou militantes como nós, de direitos humanos, apesar do aparente aumento de intensidade nestes dias. Prova disso são os históricos ataques a quilombolas, ao movimento operário e camponês, às feministas nas lutas emancipatórias, às que se opuseram ao Golpe de 64 e à ditadura.

A criminalização de lutas sociais é e sempre foi corriqueira e o combate a estas práticas deve sobrepor-se a este momento político, para transcender e transformar-se em hábito nosso. Não podemos parar nunca com o combate às intolerâncias, discriminações, violências, difamações contra nosso povo. Principalmente se o conflito for nas periferias, nas florestas, nos rios de nosso País, sob pena de nos depararmos com mais e mais pedras lançadas e atiradas contra nossas cabeças.
Quem não lembra dos tiros contra Paulo Fonteles e Gabriel Pimenta, dentre outros, dos calabouços da ditadura, das metralhadoras contra a casa de Raimundo Jinkings, do escárnio contra Benedicto Monteiro, das ofensas contra Doroty Stang? Das prisões contra militantes do MST e MAB Brasil afora? Das humilhações diárias a Gays, Lésbicas, Travestis e prostitutas? Quem não sabe do extermínio cotidiano da juventude negra? Cusparadas, injúrias e pedras arremessadas, dia e noite, por inescrupulosos políticos e por manifestantes de panelas nas mãos nas sacadas de apartamentos, e que ora pousam de moralistas e patriotas.

Não. Contra deputados e senadores (fazendeiros e banqueiros de olhos vermelhos) que arremessam as pedras, não podemos entregar flores. Devemos pregar intolerância a estes intolerantes que talvez sejam democráticos somente quando repartem seus lucros para alguns familiares e comparsas, e olhe lá.

Humildemente perguntamos a nossos companheiros e companheiras engajados há anos nessa luta institucional partidária, se era realmente necessário submergir nas entranhas desse processo para perceber que estes bispos, banqueiros e políticos nunca foram e nunca vão ser dignos de confiança? Sinceramente tais alianças não parecerem ter valido apena.

Se existiram crimes, que sejam julgados, se existiram criminosos que sejam punidos. Mas não chamem esse jogo viciado, esse campo mais enlameado que o gramado do Mangueirão em final de campeonato, de julgamento ou processo democrático.

Clamamos e chamamos os lutadores e lutadoras da sociedade civil organizada, dos movimentos sociais, da militância revolucionária que o Brasil sempre teve a fazer dessa reação, um pouco ou muito mais que uma simples resistência a um golpe praticado pela direta brasileira.

Nossa reação deve voltar-se a discutir com povo. Organiza-lo. Fazer da formação, reivindicação e organização de novo ferramentas de transformação.

Embora bela seja “Geni”, que novas canções sejam toadas. Já é tempo.

Não a qualquer tipo de Golpe! Que a vontade do povo seja respeitada.

Belém-PA, 15 de abril de 2016.
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos.

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